A violência está aumentando ! Cuide da sua família
Certa
noite em meados de 2013 estava teclando o controle remoto em busca de algo
interressante para assistir na televisão, quando acessei canal que transmitia
um debate. Embora tendo perdido o início, acompanhei um pouco o programa. Percebi
que o personagem central era a viúva de um preso - julgado e condenado por usar seu negócio como fachada para receptação e
comercialização de produtos roubados - que foi morto durante conflito entre
facções rivais dentro do presídio. Ela se insurgia contra a prisão, pois embora
reconhecesse que o falecido marido cometeu os crimes pelos quais foi condenado,
declarava que ele era um homem bom e que nunca praticou nenhuma violência, uma
vez que apenas recebia e repassava os produtos roubados, e, portanto, segundo
ela não merecia a pena de prisão que lhe foi imposta. Além disso, a viúva acusava
o governo de não investir satisfatoriamente no sistema prisional, e, por esse
motivo, considerava que o poder público era diretamente responsável pela morte
do marido. Os demais participantes não questionaram e nem opuseram qualquer
ressalva ao discurso da viúva. No geral as opiniões emitidas estavam
direcionadas apenas para a falta de investimento no sistema penitenciário, tornando
os presídios meros depósitos de presos, sem expectativa satisfatória de
recuperação dos criminosos condenados. Caso o objetivo dos responsáveis pelo
programa, tenha sido o de esclarecer os expectadores a respeito do sistema
prisional brasileiro, sua falência e urgente necessidade de reforma, sem dúvida
perderam uma ótima oportunidade de realmente contribuir com o debate proposto.
Em
primeiro lugar, o programa deixou escapar a oportunidade de extrair das
declarações da viúva, lições importantíssimas sobre o entrelaçamento da
criminalidade na sociedade brasileira. Vamos aos fatos:
1) Para a viúva o Estado é o único culpado pela
morte do seu marido, seja pelo fato de tê-lo sentenciado indevidamente, seja
por não ter garantido a integridade física dele na prisão. Esse posicionamento
está apenas parcialmente correto, uma vez que diante do reconhecimento e
comprovação dos crimes, a sentença condenatória foi justa, porém, como não
impediu o conflito entre as facções dentro do presídio, o que teria salvado a
vida do apenado, é inegável que o Estado foi negligente. Entretanto, ainda há
uma questão em aberto. Considerando que a viúva demonstrou ter conhecimento a
respeito dos negócios do companheiro, seria possível afirmar que em alguma
medida foi responsável por sua morte? Ela chegou a confrontá-lo exigindo que
parasse de repassar produtos roubados, inclusive, ameaçando-o com medidas
extremas - como, por exemplo, afastá-lo
de casa - ou pelo contrário foi conivente ou mesmo o incentivou a continuar
na senda da criminalidade? Caso o falecido marido não estivesse conseguindo
auferir renda suficiente com a comercialização de produtos adquiridos
licitamente, se ela chegou a procurar trabalhos remunerados mais humildes como
lavar roupa, fazer faxina, etc., de maneira a complementar a renda familiar,
evitando que ele recorresse ao comércio de produtos roubados? Deveriam ser
perguntas fundamentais no debate da televisão, uma vez que mesmo reconhecendo a
negligência do Estado, se ela nunca tentou afastar o cônjuge da vida criminosa,
ou pior, se o incentivava direta ou indiretamente, inegavelmente também teria
responsabilidade na tragédia, e, portanto, suas mãos estariam manchadas com o
sangue dele.
2) Ademais, a viúva declarou que o marido era um
homem bom e que nunca cometeu nenhuma violência, uma vez que apenas recebia e
repassava os produtos de origem criminosa. Nada mais irreal e ilusório. Nenhuma
quadrilha rouba vários veículos e motocicletas em um dia ou assalta um caminhão
de carga, pelos bens e produtos em si. Na verdade, quer o dinheiro advindo do
repasse do que for roubado. E nesse ponto entra a figura do receptador, que usa
o seu negócio e os seus contatos para comercializar os produtos ilícitos. Portanto,
trata-se de uma equipe que opera apenas se cada participante estiver disposto a
cumprir o seu papel. Ora, se o receptador sabe que sem a sua retaguarda os
comparsas não vão praticar os roubos, e tem ciência que eles estão dispostos a
agredir e até matar durante os assaltos, consequentemente assume o risco da
violência, e, portanto, é moralmente tão culpado quanto aquele que puxa o
gatilho.
3) A viúva também questionou o fato do Estado não
investir no sistema prisional. É uma alegação curiosa partindo dela, pois as
mercadorias repassadas pelo falecido marido não eram adquiridas através de
fornecedores legalmente estabelecidos, e, portanto, não havia emissão de notas
fiscais de compra. Por sua vez, incapaz de comprovar a origem dos produtos,
certamente ele não emitia notas fiscais de venda. Diante do exposto, quanto foi
sonegado em tributos no esquema? Além disso, com custos fixos artificialmente
reduzidos, conseguia comercializar os produtos abaixo do valor de mercado,
prejudicando toda a concorrência, que, por vender menos, igualmente recolhia
menos tributos, dispensava funcionários, etc. Verdadeiro círculo vicioso
destrutivo na economia. Com menos dinheiro, certamente o Estado diminuiu
investimentos em saúde, educação, infraestrutura e, é claro, no sistema
prisional também.
Como
visto, as implicações das declarações da viúva são imensamente maiores do que o
debate do programa em si, que, aliás, perdeu completamente o sentido ao deixar
de questionar o comportamento dela em relação a vida criminosa do marido. De
fato, não é possível entender como alguém pode dormir tranquilo, sabendo que a
casa é mantida com dinheiro proveniente do repasse de produtos roubados,
indiferente se alguma vítima foi agredida ou morta durante o assalto e
insensível para a dor de famílias que perderam entes queridos.
Em
segundo lugar, o programa cometeu um equívoco bem comum, ao tratar a questão do
sistema prisional como uma entidade autônoma, quando na verdade, o
aprisionamento do criminoso em uma penitenciária nada mais é que o ato
derradeiro de um encadeamento de eventos que teve como antecedentes a prática
do crime, passando na sequência pelo inquérito policial, denúncia, julgamento e
condenação. Portanto, devemos reconhecer que ações pontuais visando melhorias
em uma variável dessa complexa equação não terão efeito satisfatório e
duradouro, o que seria obtido apenas com ações complexas abrangendo toda a
cadeia de eventos. Para compreender isso, peço ao leitor que considere duas
situações hipotéticas. Em uma delas, imagine por um momento que o marido não
morreu na prisão e que a viúva na verdade é uma esposa aguardando a progressão
de regime e a volta dele para o convívio doméstico. Qual a efetividade do
trabalho de reeducação do apenado dentro do sistema prisional, se ao retornar
para a sociedade, em seu próprio lar encontraria uma esposa inconformada,
opinando que ele foi injustiçado, preso e condenado indevidamente? A reincidência
seria quase uma certeza, com a perda de todo o esforço feito na prisão para a
recuperação do preso. Agora, peço ao leitor que imagine outra situação, na qual
o casal tenha um filho pequeno, que com a morte do pai venha a ser criado
apenas pela mãe. Não é difícil imaginar que crescerá órfão, ouvindo dela que o
pai foi preso arbitrariamente, que ele não era verdadeiramente criminoso e que
morreu por negligência do sistema prisional. Para essa criança qual seria a
validade do nosso ordenamento jurídico, e, especialmente de uma lei que venha a
reduzir a maioridade penal? Provavelmente nenhuma. Serão sempre regramentos de
um Estado injusto, o mesmo que um dia foi responsável pela morte do pai. A
semente de uma vida criminosa teria sido plantada.
Não
pense que faço aqui apenas críticas direcionadas. Até considero justo que a
viúva acione o poder público requerendo indenização pela morte do marido;
porém, também considero igualmente justo que responda por qualquer ato ilícito
que tenha praticado em apoio a vida criminosa dele antes da prisão. É preciso
lembrar que a violência cresce ano a ano no país, a despeito das leis, do
aparato policial, do judiciário e dos presídios. Enquanto isso, a sociedade
continua errando ao delegar para o Estado o controle do problema, fugindo da
sua própria responsabilidade. Este erro está custando caro. Para o poder
público, legislar é a solução. É mesmo? A sociedade foi informada que o
Estatuto do Desarmamento seria a chave para o controle dos assassinatos com
armas de fogo, porém, as estatísticas estão indicando que ano a ano o Brasil não
só bate seus próprios recordes nessa matéria, como inclusive, vem
sistematicamente desbancando no ranking mundial, outros países usualmente
violentos, alguns até em guerra civil. Foi alegado também que a Lei dos Crimes
Hediondos seria a solução para os delitos praticados com crueldade, porém,
casos como o do casal Richthofen morto a pauladas enquanto dormia, ou da pequena
Isabela Nardoni jogada pela janela do apartamento onde residia ou mesmo do
executivo Marcos Matsunaga morto e esquartejado (para citar apenas ocorrências na cidade São Paulo), indicam o
contrário.
Na verdade, para
reverter esse quadro de violência epidêmica, temos que agir efetivamente em
duas linhas, ou seja, de um lado impedindo que indivíduos entrem na vida de
crime e na outra ponta recuperando aqueles que já entraram. Em ambos os casos, é
inegável que o cerne da luta se dará dentro do núcleo familiar. Ora, enquanto a
sociedade brasileira for induzida a pensar que o amor de uma esposa lhe dá o
direito de fechar os olhos para os atos criminosos do marido, ou que o amor dos
pais pode justificar o acobertamento dos desregramentos dos filhos, a violência
continuará aumentando. A realidade é que você não pode fechar os olhos para a
criminalidade dentro de sua casa sem se tornar cúmplice dela. Pense nisso, para
o bem da sua família e de toda a sociedade.
Autor: Flávio Roberto Bezerra Ferreira.
Autor: Flávio Roberto Bezerra Ferreira.
Comentários
Postar um comentário