Direitos humanos
O país vive uma contradição em matéria
de direitos humanos. Por conta de um viés ideológico, a interpretação objetiva
desses direitos não vem sendo aplicada uniformemente em todos os conflitos
vivenciados na sociedade, o que tem provocado incontáveis malefícios.
Insegurança pública, violência epidêmica e sensação de impunidade são alguns
reflexos desse problema. Autorizo o uso e a publicação.
DIREITOS
HUMANOS, QUANTOS CRIMES SÃO COMETIDOS EM TEU NOME
Recentemente li texto de articulista -
que se declarou jurista, humanista e
defensor dos direitos humanos - com proposta de classificar como
inconstitucional o Artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, que estabelece
penas de detenção de seis meses a um ano ou multa, para o seguinte
comportamento: “Afastar-se o
condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal
ou civil que lhe possa ser atribuída”. Segundo ele, a exigência imposta no
referido dispositivo legal fere não só a nossa Constituição Federal como a
Convenção Americana de Direitos Humanos que garantem a todos o direito de não
produzir prova contra si mesmo e também o direito de não se autoincriminar.
Embora silente a respeito, seguindo o raciocínio lógico é possível concluir que
sob as mesmas justificativas, o condutor sequer teria obrigação de ligar para o
serviço de emergência, tendo em vista a possibilidade de rastreamento do
aparelho.
Inicialmente esclareço que a proposta
do presente artigo é abordar a questão sob a ótica do humanismo e dos direitos
humanos, e, neste sentido, o foco será a análise dos casos de acidentes com
risco humano potencial ou efetivo. Sob este aspecto, é preciso ressaltar que o
Artigo 305 do CTB foi mal redigido, pois embora a intenção do condutor ao se
evadir do local do acidente, possa ser a de fugir da responsabilidade penal ou
civil, na realidade a intenção do legislador foi a de humanizar as relações
entre os indivíduos na sociedade, visando especialmente o bem estar da vítima.
De fato, nos casos de vítimas politraumatizadas, condição freqüente nos
lesionados em acidentes de trânsito, a rapidez no atendimento médico pode
significar a diferença entre a vida e a morte. Ademais, no caso, por exemplo, de
atropelamento, frequentemente a equipe médica encontra a vítima incapacitada
para se comunicar ou mesmo desacordada, de maneira que a presença do condutor
do veículo é fundamental para esclarecer os eventos permitindo um atendimento
clínico mais rápido e eficiente do paciente. Importa acrescentar, ainda, que ao
contrário da violência social epidêmica que vivenciamos, na qual a intenção
clara do ofensor é causar dano ou matar a vítima, no caso da violência própria
do trânsito o legislador entendeu que normalmente é fruto de negligência,
imprudência ou imperícia do condutor, de maneira que o citado dispositivo legal
dá a ele a oportunidade de praticar um ato de humanidade, minimizando as
consequências do evento. Portanto, não há como negar que a norma legal tem
claramente cunho de proteção da pessoa humana.
No caso de um atropelamento, é fato
que existe um conflito entre o direito a vida e a integridade física da vítima
em oposição ao direito do condutor do veículo de não produzir prova contra si; entretanto,
é óbvio que por sua relevância, o direito da vítima deve prevalecer. A
própria Constituição Federal estabelece em seu preâmbulo, como um dos valores
supremos da nação brasileira, o direito ao bem-estar do cidadão, o que
pressupõe a garantia de sua vida e da sua integridade física, ficando
subordinados, portando, todos os demais direitos e garantias constitucionais. Ademais,
é fato que na hipótese de conflito entre direitos equivalentes - a vida, por exemplo - o nosso
ordenamento jurídico ampara e protege a parte vitimada, como no caso clássico
do homicídio em legítima defesa, que “in
casu” exclui a ilicitude do ato nos termos do Artigo 23, Inciso II do
Código Penal.
Entretanto, o que se observa
atualmente é que de maneira totalmente ilógica há uma priorização da defesa dos
que agridem as disposições legais em detrimento das vítimas potenciais ou efetivas
dessas agressões. Senão, vejamos. No momento vivenciamos um aumento
significativo de mortes no trânsito provocadas por motoristas alcoolizados. O
poder público tenta controlar o problema através de campanhas educativas, bem
como utilizando medidas legais coercitivas, o que levanta a voz dos defensores
das garantias individuais. No caso, por exemplo, do teste do bafômetro (etilômetro), que busca identificar
motoristas que fizeram uso de bebidas alcoólicas, são invocados os direitos de
não produzir prova contra si, da não autoincriminação, a intimidade, da
presunção de inocência e outros. Ora, as ações do poder público visam antes de
tudo, garantir a vida de todos no trânsito, inclusive dos motoristas
alcoolizados, uma vez que muitos dos acidentes com vítima, ceifam a vida
dos próprios condutores bêbados. Assim, o lógico seria que os verdadeiros
defensores dos direitos humanos e das garantias individuais, lutassem
primeiramente em defesa dos direitos primordiais que são a vida e a integridade
física das pessoas - o que seria feito
através do apoio as medidas do governo visando coibir o uso de bebidas
alcoólicas pelos motoristas - deixando em segundo plano os demais direitos
que com estes eventualmente colidissem.
Na verdade, nos parece que há uma verdadeira
“competição” entre os profissionais
que esquadrinham com lupa a legislação em busca de interpretações jurídicas
performáticas, que lancem sombras de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade nas
ações do poder público, inclusive aquelas que visam apenas e tão somente garantir
parâmetros mínimos de convivência da própria sociedade. Isso indica que,
infelizmente, no momento atual a pauta “direitos
humanos” nada mais é que instrumento ideológico, e, portanto, não abrange a
sociedade como um todo, mas está direcionada para favorecer aqueles situados no
espectro e/ou a serviço desses ideólogos. Insegurança pública, violência
epidêmica e sensação de impunidade são alguns reflexos desse problema.
Com isso, acabamos vivenciando uma
sociedade norteada por idéias equivocadas e contraditórias nesta questão
de direitos humanos. Sim, é equivocada essa perspectiva de análise que busca
apenas encontrar brechas legais para defender quem arrosta as disposições
legais, pois não só não protege a sociedade e/ou os indivíduos como também em
muitos casos sequer é benéfica para quem infringe a lei. De fato, no
caso de um atropelamento o mais justo seria inculcar no motorista atropelador
que o comportamento mais digno e humano é ajudar a vítima, até porque, essa
ajuda pode salvar a vida dela, enquanto a omissão de socorro pode condená-la a
morte. Ora nessa última hipótese o atropelador responderia penal e civelmente
não por lesões corporais, mas sim, por homicídio.
Por outro, é contraditória com o seu objetivo humanitário. Como explicar para
uma vítima de atropelamento que jaz no asfalto, sangrando e gemendo de dor, que
o condutor do veículo que a atingiu se evadiu sem prestar socorro, com o
beneplácito dos juristas humanistas, defensores dos direitos humanos e das
garantias individuais?
É preciso hierarquizar corretamente
direitos e deveres, valorando com responsabilidade o limite entre o individual
e o coletivo. Enquanto a mudança de paradigma não ocorrer, as injustiças continuarão
sob o manto dessa política de direitos humanos.
Autor: Flavio Roberto Bezerra Ferreira.
Autor: Flavio Roberto Bezerra Ferreira.
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